JARDIM DO MANGUE, CASA KT
Bahia
texto Isabel Duprat
A restinga permeia este terreno que encontra um manguezal embebido em água de rio denso que a separa da praia e do mar do jeito que Deus gosta. O mangue protegendo a restinga. A restinga zelando pelo mangue. Velhos e belíssimos cajueiros retorcidos lambendo a areia são os protagonistas desta paisagem. Inúmeras plantas rasteiras forram o chão dos uricuris, caxandós, amescas, clusias e mangabas, a fruta mais deliciosa da restinga.
A casa com cinco anexos, projeto de Jacobsen Arquitetura, ocuparia parte da projeção das antigas construções existentes neste terreno de 16.000 m².
A grande tarefa que teríamos pela frente seria preservar a bela mancha de vegetação existente do impacto da obra. Como não tirar o encanto do lugar, e como não alterar a identidade deste lugar? O paisagista é um guardião. As inúmeras visitas durante a obra ajudaram neste resguardo.
O jardim se divide em três grandes núcleos.
A área entre a estrada e a casa contém grande concentração da vegetação original e de maior porte.
A entrada de automóveis no terreno passa pelo bloco de serviço e, em um caminho de areia, chega até a casa. À esquerda, um grupo de palmeiras carpentarias se esparrama frente à paliçada de eucalipto que reveste o bloco de serviço e garagem, junto com pitangas, Cassia bicapissularis, urucum e trialis. À frente, o caminho continua tendo lado a lado o bosque natural sob o qual plantamos ctenanthes, heliconias, bromélias, crinuns, neomaricas e sanseverias enfeitando, por que não, a passagem.
Os bangalôs estão locados nesta área, interligados através de passarelas de madeira que flutuam sobre o chão na altura certa para observar as plantas em suas associações. Ladeando as passarelas, aqui e ali, desenhei pequenos espelhos d’água circulares como poças escuras de mangue, pontos de luz refletindo a trama complexa das árvores. Envolvendo estas águas, a cada visita ao terreno fui justapondo inúmeras plantas umas às outras, criando com estas folhagens especiais, pelas suas formas e cores, pequenos nichos para apreciar a beleza das samambaias, filodendros diversos, heliconias, orquídeas, alocasias, calateas, marantas, antúrios, musas.
Contribuímos muito na implantação destes anexos para proteger as árvores e sobretudo os maduros cajueiros.
No cruzamento das passarelas, uma pequena praça recebeu um jambo vermelho, de sombra boa, para o desfrute de sua florada espetacular no outono. Esta árvore que veio da Ásia se espalhou pela África e, por aqui, especialmente no Norte e Nordeste, foi tão difundida que acabou por se identificar com estas regiões.
Sempre tem um pé de jambo para fazer sombra na porta das casas, por aqui chamado de Eugenia, o antigo nome científico de seu gênero. Hoje a Eugenia malacecensis teve o seu nome alterado para Sygygium malaccense, mas na Bahia continua a Eugenia de sempre.
Junto à divisa e atrás dos bangalôs, onde havia uma área bastante aberta e ensolarada, fiz um pomar com frutas boas para comer e fazer suco e sorvete, como graviola, tamarindo, seriguela, manga, pitanga, pitomba e a ousada fruta pão, da qual se faz um delicioso purê.
O segundo setor recebe a casa e a piscina. A casa estava locada pelo projeto de arquitetura dois metros acima do nível do terreno, na busca pela vista do mar. Sempre penso que já é bom saber que o mar está logo ali, indo e vindo com seu inquieto som de desabafo. Poderia ser visto do terraço da cobertura, mas nunca dali. Propus abaixar a casa um metro, para que ficasse com uma relação mais harmoniosa com o entorno e ter uma escada um pouco mais suave para acessá-la.
Esta cota mais baixa e um recuo na posição da casa em direção à estrada foram essenciais para acomodar o terreno e proteger um antigo ingá do avanço do beiral. Muitas vezes a bela árvore do lugar não é preservada adequadamente. O colo de uma árvore nunca pode ser soterrado, nem aqueles “só“ dez centímetros. Além disso, é muito comum quando se altera o nível do terreno deixar um pequeno colar em volta da árvore e assim muita água vai para este fosso. Muitas vezes, também, a árvore fica apertada em um deck sem ventilação ou drenagem e com o tempo ela morre por apodrecimento das raízes.
Portanto, é preciso muito cuidado ao preservar uma árvore nessa situação, deixando uma boa área livre em seu entorno na cota do colo da árvore e cuidar para que este ponto não acumule água.
Diminuí o grande piso de pedra que fazia a ligação entre a casa e a piscina, previsto inicialmente pela arquitetura, de forma que ambas pudessem respirar num terreno tão generoso. Assim surgiu um jardim entre a piscina e a casa, e mais frescor para viver o clima baiano.
No terceiro trecho entre a piscina e o mangue a restinga já havia sido bastante alterada muito tempo atrás. Preservamos e aumentamos os bolsões remanescentes e neles introduzimos inúmeras espécies da restinga, como pitangas de diversas variedades, grumixamas, clusias, caxandós, araçás, bromélias e cordias. As mangabas existentes foram carinhosamente guardadas, assim como os antigos coqueiros que lá estavam e junto aos quais adicionamos mais alguns. Um passeio de grama envolve estes nichos suculentos e grandes canteiros de flor.
A execução deste projeto se deu ao longo de dois anos, onde a intensa intimidade com o lugar foi fundamental para compreendê-lo, e assim respeitá-lo, devolvendo sua natural exuberância.
Área de projeto 16000 m²
Projeto e execução 2016 - 2018
Casa Tropical: Houses by Jacobsen Arquitetura. by Philip Jodidio. Thames & Hudson.